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O que levar em consideração ao criar um conselho de clientes

Aprenda a usar as sugestões e reclamações dos consumidores para melhorar o atendimento da empresa

É chegado um momento em que o empreendedor, involuntariamente, começa a se distanciar dos clientes. Com a empresa em crescimento, passa a se concentrar cada vez mais com funções estratégicas e delega a tarefa de acompanhar o humor da clientela. O cliente acaba perdendo o contato rotineiro com o dono do negócio – aquele relacionamento típico de feiras livres e pequenos comércios de bairro. A dúvida que fica para ambos os lados é: como os clientes podem expressar suas ideias sobre a imagem da empresa de maneira franca e direta? 

Uma solução pode ser um conselho de clientes, ferramenta de gestão que aproxima a empresa dos reais interesses dos consumidores. Na prática, o conselho é um grupo que se reúne periodicamente com o propósito de falar de suas expectativas e experiências em relação à empresa. Ou seja: dar pitaco no negócio. 

Diferente de canais de serviço de atendimento ao cliente – o popular SAC – e da figura do ombudsman, que costumam ser instâncias passivas para ouvir as queixas e resmungos, o conselho pode transformar reclamações em debates. Dessa forma, a empresa pode captar ideias para melhorar seu atendimento. “O empreendedor passa a receber consultoria de quem entende e é impactado pelo seu negócio: o cliente”, afirma Alexandre Diogo, presidente do IBRC (Instituto Ibero-Brasileiro de Relacionamento com o Cliente). 
Conversamos com especialistas, empreendedores, executivos e consumidores para saber o que é necessário levar em consideração ao criar um conselho de clientes. Veja a seguir: 


O conselho de clientes possui três grandes finalidades. A primeira é ser um canal de relacionamento com o cliente. Uma ferramenta de fidelização a marca. Nesse caso, os clientes se reúnem para participarem de atividades de relacionamento e dar palpites espontâneos, como comentar uma nova coleção de roupas de uma varejista de moda, por exemplo.

A segunda função do conselho é ouvir as percepções dos clientes sobre produtos e serviços que a empresa já mantém no mercado. O cliente atua como um consultor para apontar quais são os pontos positivos e negativos. É uma forma de o consumidor relatar a sua experiência de compra. Dessa forma, o empreendedor pode identificar gargalos que afetam a qualidade do atendimento da empresa.

A finalidade mais estratégica do conselho é usar o freguesia para fazer uma pesquisa de mercado. O conselho pode ajudar na criação de novos produtos, serviços e campanhas. “Empresas com muitos departamentos e gestores podem ter dificuldade para chegar a um consenso sobre o que é ideal para o seu cliente”, afirma Vladimir Valladares, diretor V2 Consulting, consultoria de gestão e relacionamento com o cliente. “O conselho pode tornar o processo de criação mais eficiente, pois aponta as necessidades dos consumidores sob o ponto de vista deles mesmos.”

Usar a opinião dos clientes para criar novos produtos é a meta do conselho da empresa cearense Fortes Informática, que desenvolve softwares de contabilidade e finanças. Os 12 conselheiros da Fortes são cocriadores do portfólio empresa. O conselho se reúne trimestralmente com a responsabilidade de apontar novas funções e utilidades que gostariam de ter nos softwares. Com base nas sugestões, a Fortes pede para os clientes indicarem seus funcionários técnicos, que se reúnem com a equipe da empresa para desenvolver os produtos numa nova série de encontros. “Nossos conselheiros colocam a mão na massa mesmo”, afirma Jorge Cysne, vice-presente e sócio da Fortes.

Um dos produtos desenvolvidos pelo conselho foi uma ferramenta online de comunicação entre os contadores e seus clientes. O software armazena e compartilha documentos que o contador disponibiliza para seus clientes e funciona como ferramenta de solicitação e acompanhamento de serviços. “Os próprios conselheiros batizaram o software de Fortes Conecta”, diz Cysne. O produto foi lançado no segundo semestre de 2014 e ajudou a empresa a faturar 40 milhões de reais no ano passado – 15% a mais que em 2013.
 

A forma de seleção depende dos objetivos do conselho. Quando o empreendedor deseja fazer relacionamento, o conselho pode ser formado por clientes com diferentes perfis econômicos, sociais e de consumo. “Neste caso, o importante é selecionar consumidores formadores de opinião que vão propagar as ideias debatidas nos fóruns com o maior número de pessoas”, diz Alexandre Diogo, do IBRC. “Esses clientes serão os embaixadores da marca”.

Quando o conselho tiver por finalidade discutir o portfólio que a empresa mantém no mercado, é recomendado segmentar os conselheiros em nichos – grupos de clientes que mais se relacionam com os produtos e serviços que serão analisados. Se o empreendedor quer avaliar o programa de fidelidade da empresa, por exemplo, só faz sentido convidar os clientes que participam do programa.

Para conselhos com ambição de desenvolver novos produtos e serviços, como o da Fortes Informática, a seleção pode considerar o conhecimento técnico do cliente na área de atuação da empresa, como formação acadêmica e tempo de experiência no mercado em que atua. Também é recomendado convidar clientes antigos, que conhecem a fundo a organização e já perceberam as mudanças do negócio ao longo dos anos.   

Em todos os casos, uma boa forma de iniciar a seleção é buscar na base de dados da empresa os clientes que têm o hábito de se relacionarem espontaneamente com a empresa. “São aqueles consumidores que sempre procuram o SAC para dar sugestões e reclamações ou aqueles que gostam de puxar assunto com os funcionários da empresa para falar dos produtos”, diz Adriano Amui, da diretor da consultoria Esfera Gestão.
 

Especialistas recomendam que as reuniões devem ser mensais ou trimestrais. Mais de um encontro por mês pode ser improdutivo, pois os conselheiros precisam de tempo para estudar as pautas que serão debatidas em cada assembleia. “A empresa também precisa de tempo para analisar as recomendações discutidas e apresentar os resultados das reuniões anteriores”, diz Vladimir Valladares, da consultoria V2 Consulting. Por outro lado, fazer reuniões com mais de três meses de diferença também é prejudicial. “A opinião do consumidor tem data de validade, o empreendedor precisa acompanhar o cliente para poder identificar mudanças de humor”, diz Valladares. 

A duração dos encontros pode variar de acordo com a dinâmica das atividades do dia. Em conselhos focados em bate papo e conversas informais é recomendado reuniões entre 1 hora e 2 horas. Quanto o conselho organiza palestras e worskhops, por exemplo, a reunião pode durar cerca de quatro horas. “O empreendedor precisa ter bom senso e não fazer reuniões muito longas, que podem atrapalhar o dia a dia dos clientes e espantá-los dos encontros”, afirma o Valladares.
 

Para não cair na rotina, cada reunião do conselho pode ter um formato. Além dos bate papos de sugestões, a empresa pode organizar palestras com funcionários que explicam como funciona cada departamento da empresa e tirar dúvidas específicas, como marketing e recursos humanos. Também pode acontecer almoços e happy hours após as atividades.

As reuniões de conselho do Pão de Açúcar contemplam diversos formatos. Cada uma das 170 lojas da empresa possui um conselho próprio. Os gerentes de cada loja têm autonomia para organizar os conselhos. “O objetivo dos encontros é resolver problemas do dia a dia da operação das lojas”, afirma Rafael Esteves, coordenador de relacionamento com o cliente do Grupo Pão de Açúcar. As reuniões têm duração média de duas horas. A dinâmica é bem simples. Cerca de 10 clientes se reúnem em volta de pequenas mesas no espaço de café da loja, geralmente pela tarde. Cada reunião tem um tema específico, como diversidade e disponibilidade de produtos, atendimento pessoal e limpeza das seções. Cada conselheiro responde um questionário padrão impresso em papel. Depois, acontece uma conversa num clima bem informal sobre as respostas dadas no questionário entre os clientes e uma consultora de relacionamento da empresa.

A aposentada Maria José de Oliveira Ângelo, de 74 anos, já participou por duas vezes do conselho da loja da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo. A primeira gestão foi em 2008. A segunda, no ano passado. “A reunião costuma ser objetiva e os conselheiros vão direto ao ponto”, diz Maria. Em 2014, por exemplo, os conselheiros aprovaram a implantação de um espaço de comida japonesa na loja, que já estava sendo estudado pelo gerente da empresa. Eles também sugeriram que o espaço dos corredores entre as prateleiras fosse maior. Em algumas reuniões, também podem acontecer apresentações e degustações de produtos das marcas próprias do Pão de Açúcar, como a linha de alimentos saudáveis e orgânicos Taeq.
 

Geralmente, o conselho de clientes tem caráter consultivo. As opiniões dadas pelos consumidores são consideradas pelos gestores da empresa, que decidem se vão ou não acatar as recomendações. “O conselho de clientes não é deliberativo”, diz Adriano Amui, da Esfera Gestão. “O poder de tomar as decisões é do empreendedor, que pode validar suas ações com base nas orientações do conselho”.

Em grandes empresas, o conselho de clientes pode ter maior influência na gestão da organização. Empresas de telefonia, por exemplo, seguem um regulamento da Anatel que determina regras para criar e manter um conselho. Uma das normas é que o conselho deve ter seis representantes de associações ou entidades de defesa do consumidor, como o Procon (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor). O conselho também pode divulgar suas pautas e atas de reuniões no site da empresa. “Nesses casos, a empresa deve apresentar uma justificativa muito plausível para se recusar a acatar uma recomendação do conselho”, afirma Alexandre Diogo, do IBRC.

A Oi, uma das maiores operadoras de telefonia fixa do Brasil, foi uma das pioneiras em implantar um conselho de clientes para ajudar em sua gestão. Hoje, a empresa mantém cinco conselhos, um em cada região do país. Entre as ações estabelecidas a partir de sugestões dos conselheiros estão o treinamento de libras para atendentes de lojas e emissão de conta telefônica em braile.
 

Ocupar uma cadeira no conselho de clientes é uma função voluntária. Em determinadas organizações, é comum existir uma manual de deveres dos conselheiros, que estabelece que não pode haver faltas e que assuntos estratégicos sejam mantidos em sigilo. Portanto, o cliente precisa estar interessado e disposto a cooperar com a empresa. Para motivar o conselheiro a não abandonar o barco, as empresas podem oferecer pequenos agrados.

A Tam, por exemplo, que manteve um conselho por cerca de dez anos e o encerrou no ano passado após divergências com os clientes, oferecia milhas de voo*. Auxílio transporte e refeição também podem fazer parte do pacote. No entanto, é recomendado não oferecer muitas vantagens, pois o cliente pode querer participar do conselho exclusivamente devido aos benefícios.  “Empresas que oferecem grandes descontos em produtos e brindes podem passar a imagem que estão comprando o cliente”, afirma Alexandre Diogo, do IBRC. “Isso faz com que o conselho perca sua credibilidade entre os demais clientes.”

Uma forma de estimular o cliente a participar do conselho sem correr o risco de perder o foco das discussões é oferecer conteúdo relevante para os conselheiros. Uma empresa de autopeças, por exemplo, pode oferecer palestras com mecânicos experientes que dão dicas de manutenção preventiva em automóveis. Ou uma loja de produtos para casa pode fazer um workshop com um especialista em decoração. Isso faz com que o cliente se sinta lisonjeado em ser conselheiro. Dessa forma, ela fica mais à vontade para dar seus palpites.

[N. da R.] Na versão da Tam, enviada posteriormente ao DC, o que aconteceu foi uma revisão de suas práticas e que a empresa "revisitou seus processos e adotou nos últimos anos outros mecanismos de pesquisa e avaliação". A companhia nega que tenha oferecido "remuneração ou compensações materiais" aos seus conselheiros. 

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