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Aperto de crédito tende a diminuir vendas das incorporadoras

Com inflação elevada e baixo crescimento econômico, já suficientes para afastar clientes dos estandes de vendas, a postura mais rígida dos bancos em relação ao mercado imobiliário faz cair o número de negócios.

O aperto no crédito restringe a intenção das famílias em adquirir imóveis e tende a sustentar um nível elevado de distratos, pavimentando o caminho para uma espiral negativa de lançamentos e dificuldades adicionais de vendas. A situação, apontam especialistas ouvidos pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, agrava a perspectiva para as incorporadoras, que já lidam com a deterioração do cenário macroeconômico e o enfraquecimento da confiança dos consumidores.

Com inflação elevada e baixo crescimento econômico, já suficientes para afastar clientes dos estandes de vendas, a postura mais rígida dos bancos em relação ao mercado imobiliário faz cair o número de negócios. Reflexo desse processo pode ser observado nos primeiros três meses deste ano. No período, das 15 principais empresas de capital aberto no setor, 11 informaram perdas em volume bruto medido pelo Valor Geral de Vendas (VGV), umas mais outras menos, variando entre 7% e 90%.

Vale ressaltar que, em alguns casos, os números do começo do ano foram influenciados também pela ausência de contratações na faixa 1 do Minha Casa Minha Vida, que abarca famílias com renda mensal de até R$ 1,6 mil e tem subsídio quase total oferecido pelo governo para a compra do imóvel.

Para a analista Paola Mello, que trabalha com construção civil no Citigroup, a queda das vendas em 2015 pode ser maior que 20% entre as nove companhias acompanhadas pelo banco: PDG, Cyrela, Gafisa, Rossi, MRV, Even, Tecnisa, Direcional e EZtec. Ela afirmou que as companhias mais alavancadas, como Rossi e PDG, tendem a ficar mais vulneráveis e propícias a adotar estratégias de descontos e lançamentos reduzidos, pois precisam encontrar maneiras de aumentar os negócios e gerar caixa para liquidar obrigações.

Já entre segmentos de renda, há uma fragilidade maior em companhias que trabalham com classe média, que tem sofrido com o encarecimento do crédito e a perda do poder de compra, com o aumento da inflação. Para exemplificar, a analista citou a Even e a Tecnisa. Já nas linhas mais populares, Paola Mello ressaltou que a faixa 1 do MCMV parece estar "praticamente congelada" neste ano, por causa dos ajustes fiscais do governo, o que impacta companhias como a Direcional. Já as faixas 2 e 3 do programa, que têm juros mais baixos e dependência governamental menor, são "exceções à regra". "Esse é o único segmento que está positivo hoje", afirmou a executiva, ao apontar o foco de trabalho da MRV.

Ainda que afete as companhias em níveis distintos, o crédito mais restritivo dificulta a situação das incorporadoras ao elevar a perspectiva de que menos pessoas terão acesso ao financiamento, diminuindo a demanda por novas unidades, segundo o analista Marcelo Motta, do JPMorgan. O especialista afirmou que a resposta de muitas companhias é oferecer descontos e promoções, "o que reduz ainda mais a velocidade de venda, pois os compradores ficam ansiosos" à espera de preços cada vez menores.

Outra estratégia adotada pelas companhias é a redução de lançamentos e o esforço em negociar unidades em estoques, de modo a conter os gastos e evitar um aumento ainda mais acentuado da oferta no mercado. No primeiro trimestre, apenas o grupo Gafisa, liderado pelo segmento Tenda, registrou aumento no VGV de lançamentos, enquanto as outras 14 companhias ou diminuíram o volume de novos empreendimentos ou não lançaram projetos no período.

O problema é que, em geral, as vendas de produtos antigos tendem a ser mais difíceis em comparação com a negociação de unidades novas. "As vendas de estoques são mais lentas do que as de lançamentos. Por isso, cria-se uma relação de 'lança menos, vende menos", afirmou Paola Mello, do Citigroup. Por outro lado, o analista Lucas Gregolin, do Banco Fator, acredita que essa postura mais conservadora das companhias pode ajudar a equilibrar a relação entre oferta e demanda. Para ele, há a expectativa de que, caso a situação da economia brasileira mostre uma certa melhora, o mercado imobiliário pode apresentar uma reação a partir de 2016. "Teremos em 2015 menos lançamentos que em 2014, mas podemos ver uma certa recuperação em 2016, com patamares próximos a 2014", afirmou o analista, ao ressaltar que as empresas têm terrenos para construir, mas devem esperar a demanda.

 

Distratos

O nível de cancelamentos de vendas, processo conhecido como distrato, é outro problema que pode ser agravado pelo aperto de crédito. Em geral, a assinatura do financiamento imobiliário no Brasil só acontece no momento da entrega da unidade. Quando o comprador não é aprovado pelo banco, ele pode ficar impossibilitado de quitar os saldos e acaba sendo desligado pela empresa, gerando o distrato. Além disso, o aumento do custo dos empréstimos imobiliários torna as prestações mais salgadas.

As empresas têm entregado desde o ano passado uma grande quantidade de imóveis, que foram lançados há cerca de quatro anos, quando o mercado imobiliário estava aquecido. Cria-se assim um conflito entre dois momentos muito distintos da economia: o crescimento do passado e a presente crise. Em outras palavras, o consumidor que comprou uma residência com perspectivas de emprego estável, inflação contida e juros baixos hoje enfrenta outra realidade. "Se uma parte dessas pessoas não consegue mais obter o financiamento e não tem recursos próprios para quitar, não tem outra opção: o contrato tem de ser cancelado", diz Paola Mello, do Citi. "Já estamos partindo de um patamar de vendas brutas mais baixas e, ao acrescentar os distratos referentes ao pico de vendas de alguns anos atrás, temos vendas líquidas baixíssimas".

A analista explicou ainda que há uma perspectiva entre os empresários de que um nível de distratos de 20% na comparação com as entregas, em termos de VGV, é natural na vida do projeto. Nesse primeiro trimestre, muitas empresas chegaram a informar patamares bem mais elevados, como a proporção de 60% da Helbor, embora outras, como o segmento Gafisa, tenham se mantido perto desses 20%. Nem todas as companhias publicam o volume total de entregas ou cancelamentos.

Diante dessas perdas com os distratos, as empresas têm buscado endurecer a seleção dos compradores para se aproximar das exigências dos bancos para financiamentos, lembra Gregolin, do Fator. "Em 2010 e 2011, a análise de crédito não era rigorosa. Isso ocasionou um distrato bastante elevado. Mas as empresas têm se alinhado melhor com os bancos", afirmou Gregolin.

O diretor-executivo da Associação Brasileira de Incorporadoras (Abrainc), Renato Ventura, ressaltou que as companhias têm buscado formas de melhorar a atribuição de crédito, dentro de uma série de medidas para aprimorar a gestão. Segundo o dirigente, o setor é "cíclico" e está passando por um momento de ajustes, que abrirão caminho para a recuperação. Por enquanto, o mercado vive uma etapa de maior seletividade sobre os lançamentos e as vendas continuam a fluir, ainda que em volumes menores, afirmou. "O ajuste está sendo feito e, em breve, deve vir o momento da recuperação. As empresas vão voltar a construir e produzir de maneira mais acelerada. Embora a questão do crédito seja importante, vemos que ainda existe demanda no setor", afirmou o dirigente.

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